Homenagem do presidente do TJSP ao Desembargador Álvaro Lazzarini

Ontem (24), por volta das 18h00, no TJSP, o Desembargador Nalini, fez uma emocionante homenagem ao nosso eterno mestre, que faleceu em fevereiro de 2014.

A plateia estava repleta de familiares, amigos da Carreira Jurídica e da Polícia Militar. 
 
Segue abaixo texto da homenagem na íntegra:
Na primeira década do século passado, um dos melhores empregos para os jundiaienses era propiciado por uma empresa então modelar: as Indústrias Andrade Latorre, que produziam os fósforos "Argos" e "Guarany". O patrão, Luis Latorre, ia a pé para a fábrica, em cujas imediações moravam os seus empregados. Muitas das residências eram fornecidas pela indústria. Conhecia todos por nome, inclusive suas famílias.

 
Preocupava-se com o ambiente de convívio e propiciava eventos como a Páscoa coletiva, fomentava a criação de times de futebol e Grupo Teatro Amador e a cada final de ano fazia o Natal da empresa. Meses antes, fornecia aos operários o mostruário da fabricante de brinquedos "Estrela", para que as crianças nele escolhessem seus presentes.

Nessa experiência quase familiar, desenvolveram-se algumas famílias, dentre as quais a de Gumercindo Lazzarini, seu irmão Enércio e a de Baptista Nalini. No lar de Inocência e Gumercindo nasceu Álvaro, no dia 7 de abril de 1936. Na casa de Benedicta e Baptista Nalini nasci eu, em 24.12.1945.

Nossos pais eram companheiros de lida e amigos, mesmo antes de nascermos. Álvaro era o mascote do time de futebol, enquanto eu era do Grupo Dramático, depois "Grupo Guarany de Comédias".

Os tempos eram outros e imperava em casa a disciplina, a hierarquia, a linguagem do olhar. Crescia-se em compromisso com a obediência, o trabalho, o empenho e a crença no desforço próprio. Nada caía do céu, a não ser aquilo que hoje é raro: a chuva.

Álvaro foi estudante exemplar. Sério e austero, encontrou-se na Polícia Militar, devoção de sua vida. Orgulhava-se da farda e da espada, que honrou durante todos os dias de sua existência.

Naquele tempo, os jundiaienses que queriam cursar a Universidade tinham dois destinos: São Paulo ou Campinas. Mas a distância entre Jundiaí e a Terra das Andorinhas era bem menor. Daí a preferência pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Campinas, depois guindada a Pontifícia por força e obra de outro quase-jundiaiense, o Cardeal Dom Agnelo Rossi.

Nesse tempo, o cadete Álvaro Lazzarini já namorava a filha do juiz da comarca, o Dr. Valentim Alves da Silva, que encontrou no pretendente à sua predileta Heidi, o candidato ideal. Já existia a intimidade entre o Judiciário e a Polícia Militar. Ambos erigidos sobre a ética, sobre o correto, sobre o nobre, sobre o verdadeiro, sobre o justo.

Álvaro Lazzarini incorporou os atributos da Força Pública porque ele já fora educado para o bom proceder. A correção era ínsita à sua personalidade. Fazia porque acreditava. Nada era forçado. Essa era a sua natureza.

O sogro foi um permanente norte em sua carreira. Era edificante constatar a admiração recíproca e a afeição que os vinculava. Um se orgulhava do outro e ambos tinham motivos para tanto. Depois do Curso de Formação para Oficiais na Academia do Barro Branco, terminado em 1957, Álvaro concluiu o seu Bacharelado em Direito na PUC-Campinas em 1962. Exerceu a docência em ambas as Instituições pelas quais passou como discípulo brilhante.

Ingressou na Magistratura em 1965. Passou por Santo André como Juiz Substituto, depois Santa Cruz das Palmeiras, Itapira e São Paulo. Conquistou o respeito dos colegas, do Ministério Público, da advocacia e dos jurisdicionados, diante de sua presteza e erudição. Foi um paradigma de Magistrado, pois conciliou o desempenho profícuo na outorga da prestação jurisdicional com a participação efetiva em inúmeros projetos de aperfeiçoamento da Justiça. Nunca se ateve ao cumprimento hígido de seu dever, o que já seria encomiástico. Mas excedeu-se ao integrar Comissões, defender a Polícia Militar e a Magistratura nos percalços que as instituições humanas costumam enfrentar numa Democracia em consolidação numa República heterogênea e complexa.

A leitura de seu currículo oficial, elaborado pela Biblioteca do Tribunal de Justiça, alcança quase duzentas páginas. É uma síntese eloquente do que significou a passagem de Álvaro Lazzarini por esta Corte, com suas 173 palestras, 43 conferências, 27 participações, centenas de Bancas Examinadoras, participação em Banca de Concurso de Ingresso à Magistratura, exposições e discursos.

Mas o perfil de Álvaro Lazzarini é muito mais exuberante do que sua prolífica produção. Posso testemunhar seu apego à família, marido e pai presente. Filho e genro devotado. Irmão empenhado em participar da vida familiar.

Amigo leal e agregador. Quem não se lembra das festas da família? Bodas, casamentos, aniversários, tudo era motivo para reunir a legião de fraternos parentes escolhidos, que são os verdadeiros amigos. Os encontros festivos eram caprichados, planejados e vivenciados com autêntica alegria. D.Conceição e Dr.Valentim, Heidi e Álvaro, depois com Alexandre, Sandra Helena e Ricardo, mais os netos. A família crescendo e as ocasiões de celebração também. Nelas, Álvaro conversava com todos, conferia idêntica atenção a todos os grupos. Não se resumia aos colegas, mas tratava com democrática igualdade os convidados cujo núcleo comum era o pertencimento à instância afetiva da família.

Entusiasta, idealista, ético e coerente. Destemido e lutador. Lutando por sua Polícia Militar, à qual nunca negou respeito, prestígio e afeição. Tanto que o Coronel PM Luiz Eduardo Pesce de Arruda, citado pelo Juiz Coronel Fernando Pereira em artigo-homenagem ao Desembargador Álvaro Lazzarini, chegou a afirmar: "Tendo deixado o serviço ativo, Lazzarini fez mais pelas Policias Militares que a grande maioria de nós possamos ter feito, depois de décadas de serviço"

Álvaro Lazzarini foi um homem de inteireza e coerência. Ele não viveu apenas para si, mas para as causas que escolheu, todas elas amalgamadas por um vínculo de solidariedade em relação ao próximo. Vivenciou, antes mesmo do conceito converter-se em norte do pacto fundante, o real reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Sua vida toda poderia ser descrita no contínuo trajeto de adoção de um padrão de vida edificante. Para ele a palavra não era separada do real, a justiça se preocupava com o sofrimento dos homens, menos de que com a letra da lei, servo fiel da ética sensível. Ética nele natural e intuitiva, mas nem por isso desligada de permanente aprimoramento.

Por isso adquiriu sapiência. Já era dotado de conhecimento, pois a teoria é suscetível de obtenção por meio do estudo, pesquisa e observação sistemática. Já a sabedoria é adquirida pela experiência vivida. Aprendizagem e crescimento contínuo. Ele foi provido de vontade reta, espírito de sacrifício, orientação segura para o enfrentamento dos revezes e incessante busca do melhor. Para sua lapidação, para formação de uma família modelar, para promover e fazer crescer seus amigos, suas carreiras, seus ideais.

Cultivou os valores verdade e certeza durante todos os dias de sua gloriosa existência. Sabia que "o ser humano é os valores que vive, encarna-os. Logo, precisa dar-se conta de que eles têm um único ponto de partida: o respeito por si mesmo, extensivo ao outro, que por isso precisa ser reconhecido e legitimado"

A consciência das melhores escolhas - a milícia, o Judiciário, o Magistério, a família - trouxe ao Desembargador Álvaro Lazzarini a felicidade humana possível. Um estágio de consciência plenamente satisfeita. A convicção de se fazer o melhor possível. Álvaro não era um pessimista. Ao contrário. Entendia que "só temos a felicidade que conseguimos entender"

O privilégio de um convívio muito próximo e muito fraterno com Álvaro me permitiu constatar que ele foi um homem feliz. Isso é importante? Muito mais do que importante. Tenho me repetido e reiterado em várias manifestações, que "juiz tem de rimar com feliz, não com infeliz". "Stendhal escreveu: 'Chamo caráter de um homem seu modo habitual de sair à caça da felicidade". Álvaro foi bem sucedido nessa caçada. Cultivou a autoaceitação e a autoestima, cônscio de que Rousseau tinha razão ao afirmar: "Ninguém pode ser feliz se não gozar da própria estima". Vivia em amizade consigo mesmo, ser amável e prestativo para com todos. Por isso as relações positivas com todos que o conheceram bem. Por isso a alegria de viver. O entusiasmo e a resistência aos revezes.

Não foram poucos, o que é natural para um caminho de lutas e audácias. Não galgar o ápice da carreira, justamente em virtude de suas qualidades, que assustavam os áulicos do poder. A longa e pertinaz enfermidade de Heidi, a quem assistiu devotadamente durante todo o tempo. Em seguida, a sua própria saúde, combalida e, a final, vencida, mas amparado pela generosa companhia da Marta. Sabemos que a morte é implacável e nos leva a todos.

As alegrias superaram as dores. Família linda, viu os netos nascerem e crescerem. Foram muitas as festas familiares. Muitas as homenagens. Muitos os encontros afetivos. Muita solidariedade e verdadeira amizade.

O importante é que Álvaro Lazzarini ofereceu à posteridade um legado que orgulha seus filhos, seus netos, toda a sua descendência. Orgulha a Polícia Militar, que pode ostentar em sua História vultos gloriosos que a projetaram e a defenderam de todas as insidiosas tentativas de reduzir sua relevância para o povo paulista. Orgulha o Tribunal de Justiça, pois o seu perfil é digno de ser indicado como padrão para as novas gerações de Magistrados. Orgulha Jundiaí, sua terra natal, que sempre o considerou e reconheceu nele um de seus maiores.

Orgulha os que tiveram a ventura de com ele conviver. E que sabem ser essa a herança real e única a importar nessa frágil e efêmera aventura humana. O bem que se fez, as causas que escolheu, os amigos que conquistou e as lutas que travou.

Familiares, amigos, todos os que formamos esta Confraria dos admiradores de Álvaro Lazzarini, estamos convencidos de que o seu caminho não foi em vão e que sua obra imperecível ecoará como inspiração a quantos precisamos acreditar num Brasil mais ético, mais coerente e mais humano.

Presidente do TJSP – Desembargador José Renato Nalini

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